Como artista, além de investigar o corpo em cena, mais do que tudo, tenho debruçado sobre as reverberações que a arte defronta com a própria vida. Esse texto é sobre as reflexões que uma cena erótica me possibilitou junto com os materiais existenciais que me levaram a me conhecer e transformar antigos hábitos que não estão me favorecendo mais.
Nesses últimos dias, pós performance, comecei a me perceber diferente do que comumente estou em relação ao mundo e as pessoas. Notei, primeiramente, que estava mais a “flor da pele”: mais atenta aos meus sentires ou com os meus sentires mais dilatados? Talvez uma mistura mesmo dessas duas travessias. De qualquer forma, estava nítida a sensação que algo estava se deslocando internamente. Aliás, antes eu falava que fazer arte é construir portais de transformações. Mas hoje, não creio que seja assim como um passe de mágica. Creio que se faz um ato e depois a vida exige uma atenção apurada ao que está acontecendo. Vejo-me agora construindo pontes entre o meu sentir, os comportamentos e as elaborações mentais. Fico com a impressão que o corpo muda, mas os hábitos e a mente ficam velhos em relação ao que solidificou após a experiência. E aqui está o trabalho.
Quero agora detalhar, o que exatamente senti na vida cotidiana com tal mergulho na cena artística erótica. Por ter aflorado o meu sentir, ficou mais perceptivo os meus desejos e de fato uma sensação de território, ou seja, uma consciência daquilo que realmente me pertence e que chama mais atenção para cuidar. E junto a esse sentimento, comecei a questionar o quanto eu muitas vezes não cuidei das coisas relevantes por falta de desejo mesmo e porque havia uma soberania em minhas ações por ser um pessoa generosa com os outros. Fiquei alarmada e ainda estou com meus óculos novos de conseguir enxergar o quanto a humanidade desperdiça potência nesse lugar de querer “ser bom”. Para respaldar, encontrei um diálogo com a maravilhosa Virgínea Woolf:
“quem hoje em dia oferece compaixão são, sobretudo as pessoas lerdas e fracassadas, em sua maioria mulheres, que, tendo abandonado a corrida, têm tempo para dedicar a excursões fantásticas e improdutivas [...] os seres humanos não andam de mãos dadas ao longo de todo o caminho. Existe em cada um uma floresta intocada; um campo nevado onde não há sequer pegadas de pássaros. Por aqui vamos sós, e assim até preferimos. Ter sempre compaixão, estar sempre acompanhado seria insuportável”
Na verdade, o que estava ocorrendo é que eu não tinha capacidade fina de me sentir via corpo para notar que estava me violando com minhas atitudes de compaixão. E a autocompaixão passava longe. Achava simplesmente que estava tudo nos conformes sendo gentil. Mas não, as pessoas, de certa forma, estavam ocupando de forma desmedida o meu próprio território e com o meu consentimento, e pior, as vezes, fazia uma suplica para que houvesse esse autoabuso. O famoso falta de dar limites.
Então, abriu um universo de percepção e aqui também começa um trabalho investigativo de tanto ficar atenta com tudo aquilo que me viola como, e o mais difícil de todos, desabituar os hábitos de existir dessa maneira. Por isso comentei no começo do texto, que quando começa a trabalhar o corpo, e o erótico tem cuidado muito disto em mim, o corpo fica fresco e o sentir refinado, mas a mente fica ultrapassada. E não o contrário como muita gente reflete: que o corpo envelhece, mas os desejos continuam... Aliás, eu não vejo sequer possibilidade de agora vislumbrar os desejos desconectados da corporeidade. Pois é pelo corpo que abre as reais possibilidades de mudança no meu ponto de vista de artista, pesquisadora e terapeuta. E essa mudança que eu tenho feito é via arte e práticas corporais sensíveis, essas todas que me dão possibilidades de me esvaziar e abrir espaços para que os verdadeiros desejos apareçam. Reflito, que a verdadeira mudança começa quando se traz as possibilidades de corporificar o imaginário dos desejos. Dar expressão e voz para algo que habita na própria carne e isso apenas a experiência sensível e corporal pode ofertar.
Não é que depois dessas reflexões todas e ações, começo a compreender de fato o real sentido da palavra Raízes Ateliê. E que o verdadeiro aterramento está sendo contemplar um lugar do desejo e esse desejo tem passado, querendo ou não, pelas artes eróticas. De ter a possibilidade de me expressar como artista e mulher e também a possibilidade de auxiliar pessoas nesse farejar aos próprios desejos. Raízes tem a ver com trazer experiências corporais para que as pessoas comecem a se perceber de forma mais sensível e com mais possibilidades de cuidar dos seus próprios territórios.
Estou muito honrada com a jornada ate aqui!! E como a vida pode ser uma experiência extraordinária!!
referencias: Woolf, Virginia. Sobre estar doente.
Imagem: Canva
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