Corpo corpo corpo, é sobre o que não se sabe, mas sente e faz disto pistas para um saber. Um farejar a própria sensorialidade de estar viva. Nesse ensejo brota o que chama de desejos e uma vista aberta ao desconhecido… Caminhos que pulsam por debaixo da pele e alarga um território do viver.
Um passo de beleza, outro passo de carne arranhada. A natureza, a arte e o universo são violentos mas não são cruéis.
Sente uma fervilha e um caldo grosso do poço, entremeados por tortuosas formas e ela desconfia que isso pode ser chamado de raízes. Erótico raízes. Por hora, é bom encontrar nomes às coisas.
Uma vez soube que as raízes no fundo da terra formam um emaranhado entre elas, uma composição que gosta de se imaginar como parte e fazer parte, já que quando enraíza há algo que acontece: é o corpo que incorpora e prossegue nas coisas. Enraizar no abissal da terra pode ter um tanto de flor e luz. Composições entre matéria clara e matéria escura. A caixa do seu tórax tem aptidão para voos. Caixa torácica, quer nome mais lindo para descrever um recinto corpóreo? Ali é uma gaiola com costelas vazadas, ou melhor, uma gaiola aberta que vibra com o pulso que pulsa. Aqui não tem dúvidas de uma estação onde o coração e os pulmões podem flertar para fora da pele.
Coração com ar e asas. Pernas como raízes. E o caldo grosso, quente e escuro permeia entre os altos e os baixos da existência. É nesse lodo aerado que começa a ter a audácia de interromper as suas autoanálises medianas e fracas, como racionalidades que acessam apenas um ínfimo da sua existência. Ela é mais. Sabe que é mais. O caldo grosso a comunica isso. Por muitos anos desejou respostas imediatas e chorava com a sua mamadeira já vazia.
Por entre as suas travessias resolveu experimentar um campo mais aberto. Ao invés de desejar respostas, passou a fazer perguntas. Até que encontrou alívios momentâneos, mas não é que as perguntas, ainda mantinham em suas mãos a mesma mamadeira e não a levava em lugar algum. Malditas perguntas… por que raios tropeçou? por que raios foi de encontro na véspera de um grande dia por um macho azedo de suor?
Ela ela ela. No centro. Presa no círculo sem sair do lugar. Uma redoma de vidro. Cavoucando o nada por nada. Como se apenas existisse a sua raiz no fundo da terra e a sua nutrição vinda de uma mamadeira vazia. E o encontro com a artista Eva Hesse a convoca e a chacoalha de forma impositiva:
“Pare de ficar pensando, se preocupando, se alarmando, se perguntando, duvidando, receando, se afligindo, querendo uma saída fácil, se debatendo, se agarrando, se desvirtuando, se coçando, se arranhando, balbuciando, resmungando, reclamando, se rebaixando, tropeçando, enrolando, maquiando, se queixando, se lamentando, se lamuriando, polindo, nivelando, exagerando, esmiuçando, embirrando, empacando, espiando, se excitando, se batendo, criticando, se esgueirando, esperando muito, avançando pouco, praguejando, se consolando, se emproado, revirando, lambuzando, se moendo, se moendo, se moendo a si mesma. Pare com isso e trabalhe!”
A sensação do caldo escuro tem a convidado trocar as lamúrias e as perguntas por uma outra espécie de pergunta:
Quem é ela em conexão com os fatos e as pessoas?
As tuas raízes entremeadas por outras raízes. Descobre que dentro dela, habita muitas pessoas além do que sabia que era. Contém em si multidões..
Se ela pudesse escolher um estado de perfeição para o humano, seria a arte!
Fotografia de Ana Laura Cintra - @ana_lpcintra
Apresentação Eclipse na Galeria de Arte EXL.
Referências bibliográficas.
Gompertz, W. Como os artistas veem o mundo. editora Zahar, 2023.
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